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imPERFEITO

 

Como medir a veracidade da informação processada entre a realidade do espelho e aquela que é vista? Como o olhar é provocado ao perceber que, como disse Caetano Veloso, “alguma coisa está fora da ordem”? De que ordem se está falando?

Tudo pode ser questionado quando o corpo é o objeto de referência. Representado na História da Arte de todas as formas possíveis e também improváveis, nunca deixou de ser tema, continua sendo instigante e motivador da criação artística. E a nudez, por vezes negada, por vezes aceita, ainda manifesta inúmeras interpretações. O que há para ser interpretado na obra de Susan Mendes?

O corpo feminino apresenta-se sob uma ótica nua e crua, na sua própria realidade, longe dos estereótipos de beleza. São representações de mulheres reais, como todas são, nas suas imperfeições. Os corpos não possuem identidade, são comuns como é a existência humana e feminina, porém, fora daquele enquadramento estético pré-estabelecido, conceito debatido pela artista nesta proposta.

O conjunto do trabalho apresenta-se numa plasticidade também fora do convencional, onde a artista apropria-se do que pode ser reciclado no universo criativo da arte: o papelão corrugado que serve de suporte à pintura, revela a preocupação da artista em reutilizar materiais descartados inicialmente, como caixas usadas e papeis em grandes dimensões, tornando a produção conceitual, e efetivamente sustentável.

 

O suporte ainda é desgastado pela artista, somando colagens (aparentes ou veladas), trazendo o debate sobre o que realmente é sustentável ou descartável quando se trata do feminino, da sua fragilidade, das suas deformações naturais e do seu envelhecimento. Tais conceitos tornam-se aparentes na subdivisão expográfica entre “corpos imPERFEITOS” e “partes ainda mais que imPERFEITAS”.

Susan Mendes investiga possibilidades, desde as referências visuais de artistas que tiveram o corpo feminino como tema, tais como Toulouse-Lautrec, que tinha no traço, uma forma singular de representar o corpo feminino para os padrões da sua época, e Lucian Freud, que desnuda o corpo na sua mais perfeita imperfeição, o corpo real, que por vezes, agride pela própria veracidade de mostrar-se real.

Motivada pela veia racional, advinda da sua formação em Matemática, a artista incorpora as operações básicas dessa área “exata”: multiplica corpos imperfeitos, divide os corpos em partes, subtrai a identidade das mulheres retratadas e a todas elas, soma a beleza imperfeita, que às vezes, faz mais sentido na arte do que na vida.

Silvana Boone - Curadora da Exposição

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