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PERFEITA IMPERFEIÇÃO

 

"Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos.

O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito." (Fernando Pessoa, Desassossego)

 

Susan Mendes usou, para o título de sua primeira exposição individual, duas palavras que se opõem na forma e no significado. Mas, na arte os significados são mais subjetivos. Nem sempre o que é perfeito é belo e, nem sempre, o que é imperfeito é ruim. Nas suas figuras femininas, Susan trabalha a forma da mulher real, com seus volumes e curvas. Mas é preciso considerar, antes de qualquer coisa, que estamos falando de pintura. Botero em uma de suas entrevistas proclamou: “Não pinto só figuras volumosas. O que de fato me interessa é o volume e são formas sensuais. Não estou aqui fazendo análises psicológicas das minhas figuras volumosas. Quero falar de pintura, da boa pintura e de seus desafios”. 

Susan desenha de modo incansável. Usa vários tipos de materiais. Faz colagens e incisões sobre papelão. Este, um tipo de papel resistente com miolo ondulado que um dia serviu para caixas de mercadorias e, agora, ganha novo e nobre uso. Ela recolhe fardos desta sucata nas ruas. Não apenas com a intenção  de reciclar, mas porque percebe força neste suporte. Força esta que aparece nas suas imagens. 

Quando olho para o trabalho da Susan, pergunto-me: estamos diante de  desenho, de pintura ou, quem sabe, de escultura? Estamos acostumados a classificar e a conceituar as coisas de modo lógico, mas nem sempre é tão fácil. Penso que, neste caso, temos um pouco de cada. Como disse Mário Quintana: “Porque prender a vida em conceitos e normas? O belo e o feio... O bom e o mau... A dor e o prazer... Tudo, afinal, são formas e não degraus do Ser.”

Gosto de observar a profunda conexão e concentração no seu fazer de “artífice”. Susan pensa e faz. Traz em seus trabalhos a beleza das linhas que formam desenhos precisos, a suavidade da pintura, quase como aquarela, mesmo quando o fundo é preto ou vermelho intenso. Essas mulheres volumosas parecem querer sair da tela. Elas se agigantam feito esculturas em busca dos pés. Susan tem o olhar voltado para as monumentais figuras de Miguel Ângelo. 

Olhando atentamente,  vemos ainda outra dicotomia, para além do perfeito imperfeito. Há, nestas mulheres, certo recato e silêncio, mas também a ousadia de musas. Uma voz que ecoa segura e sólida,  sensual e firme. Suas figuras chegam antes do nosso olhar encantado.

Nesta árdua tarefa de escrever sobre o universo criativo e tão particular, termino com um trecho de um dos meus livros prediletos:“As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis  e dizíveis quanto se nos pretendia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos  é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa efêmera." (Rainer Maria Rilke; Cartas a um Jovem Poeta)

Brindemos com Susan neste momento de pura emoção!

                                                           

Elizethe Lou Borghetti - Artista Plástica 

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